- Alice! – gritava com a típica voz de bebum.
Os vizinhos já estavam em suas janelas assistindo ao espetáculo.
- Alice! – continuava o insistente Aderbal.
- Para com essa zuada, papudim-véi! – gritou um que passava.
- Vai te aquietar, pudim de cana! – aproveitou o embalo, outro.
Mas Aderbal estava surdo à pilhéria dos outros. Só queria saber de
Alice.
Ela o deixara há exatos quatro meses, justamente, devido a esse –
digamos – problema de Aderbal com bebida. Não podia beber que começava a bagunça!
E das grandes! Mas era um rapaz de bem. Seu mal era a maldita da bebida.
Para ela, ele era “águas passadas”. Por sinal, já recebia visitas de um
jovem que, sendo advogado, tinha todo prestígio com a família da moça.
- Aliceeee...! – forçou até a voz sumir.
Dentro de casa todos pareciam terem se acostumado com aquela cena. Ela
vinha se repetindo desde o término deles.
A família, por ter uma simpatia por Aderbal, nunca chamou a polícia –
apesar de tudo, era um rapaz de bem –, preferiam esperar ele cansar e ir
embora.
No entanto, coincidiu de, naquele dia, Alice receber a visita do jovem
advogado. E o mesmo estava impaciente com aquela gritaria.
- Que absurdo! Isso é um despautério. – falava o jovem, de modo teatral.
- Calma. Ele é assim. Mas já, já, cansa e vai embora.
- É inadmissível algo como isso! Seu pai é um homem de idade. Não merece
estar passando por isso. E nem você, pois é uma moça de família. – pensou em
repreendê-la por ter namorado tal pessoa, mas desistiu. Não seria prudente
tocar nesse assunto.
Alice corre até a janela e grita:
- Aderbal, não me faz mais vergonha. Vai embora!
- Volta pra mim, meu amor! – insistia o esperançoso pinguço.
Sem paciência, ela bate a janela e volta pra sala.
Aderbal continuava com suas lamúrias:
- Alice, eu sei que ‘cê ‘tá de paquera com um almofadinha. – esta última
palavra, não foi compreendida por todos, pois a voz estava embargada pelo
álcool e algo de um futuro pranto. - Mas eu te perdoo, porque te amo!
- Já chega! Não vou mais aturar nem mais um pio desse sacripanta! –
sentenciou o advogado com ares de juiz.
- Por favor, não! Acho melhor você não se meter com ele. Ele ‘tá
bastante alterado.
- Aquele?! Aquele ali nem fede, nem cheira. – gracejou. Mas gracejos não
combinavam com ele. Tinha dentes perfeitos demais dentro de um sorriso muito
certinho e, sem contar, uma voz muito empolada.
- E se você se machucar? – perguntou à guisa de dama que vê seu
cavaleiro prestes a ir para um duelo.
- Não se preocupe, ficarei bem. Peço licença para tirar meu paletó. –
outro gesto teatral.
A família toda tentou dissuadi-lo, mas o jovem parecia determinado a
mostrar quem era o novo dono do coração de Alice.
Abriu a porta e viu o pobre Aderbal, de gatas, numa tentativa
infrutífera de levantar-se.
- Vai-te embora, alcoólico desordeiro!
- Eu vou é quebrar a tua cara, macho. – revidou o oponente finalmente
ficando de pé.
Aderbal investiu contra o advogado, mas o murro passou longe. Este, por
sua vez, também empreendeu um soco, mas, para a sorte do pé-de-cana, estar
cambaleando foi vantajoso.
Murro aqui, murro ali, e ninguém era atingido. Mais parecia uma dança.
Estranha, diga-se de passagem.
Aderbal, um bêbado, desordeiro, bom rapaz e apaixonado!
Advogado, um almofadinha que ‘tava mais valente que um siri dentro da
lata.
Cada qual a seu modo, querendo provar que era merecedor do amor de
Alice.
Esta, por sua vez, pedia para o advogado desistir daquela peleja, pois
Aderbal não valia a pena. Como ele mesmo dissera, “nem fede, nem cheira”. E
também gritava para Aderbal ir embora.
E mesmo com tanta súplica, não a ouviam.
Finalmente, os dois se engalfinharam. Ninguém sabia quem era quem de tão
enrolados que estavam. De repente, tombaram um pra cada lado.
Do lábio de Aderbal, corria um filete de sangue.
Da testa do advogado parecia que as comportas de uma represa tinham
arrebentado.
- Ai, meu Deus, meu querido! – gritou Alice, e correu em socorro.
Sentindo o conforto e o calor daquele colo macio, Aderbal sussurrou: