quarta-feira, 8 de agosto de 2012

GRANDE ADERBAL

E lá estava o Aderbal, bêbado, largado na calçada dela.

- Alice! – gritava com a típica voz de bebum.

Os vizinhos já estavam em suas janelas assistindo ao espetáculo.

- Alice! – continuava o insistente Aderbal.
- Para com essa zuada, papudim-véi! – gritou um que passava.
- Vai te aquietar, pudim de cana! – aproveitou o embalo, outro.

Mas Aderbal estava surdo à pilhéria dos outros. Só queria saber de Alice.
Ela o deixara há exatos quatro meses, justamente, devido a esse – digamos – problema de Aderbal com bebida. Não podia beber que começava a bagunça! E das grandes! Mas era um rapaz de bem. Seu mal era a maldita da bebida.
Para ela, ele era “águas passadas”. Por sinal, já recebia visitas de um jovem que, sendo advogado, tinha todo prestígio com a família da moça.

- Aliceeee...! – forçou até a voz sumir.

Dentro de casa todos pareciam terem se acostumado com aquela cena. Ela vinha se repetindo desde o término deles.
A família, por ter uma simpatia por Aderbal, nunca chamou a polícia – apesar de tudo, era um rapaz de bem –, preferiam esperar ele cansar e ir embora.
No entanto, coincidiu de, naquele dia, Alice receber a visita do jovem advogado. E o mesmo estava impaciente com aquela gritaria.

- Que absurdo! Isso é um despautério. – falava o jovem, de modo teatral.
- Calma. Ele é assim. Mas já, já, cansa e vai embora.
- É inadmissível algo como isso! Seu pai é um homem de idade. Não merece estar passando por isso. E nem você, pois é uma moça de família. – pensou em repreendê-la por ter namorado tal pessoa, mas desistiu. Não seria prudente tocar nesse assunto.

Alice corre até a janela e grita:

- Aderbal, não me faz mais vergonha. Vai embora!
- Volta pra mim, meu amor! – insistia o esperançoso pinguço.

Sem paciência, ela bate a janela e volta pra sala.
Aderbal continuava com suas lamúrias:

- Alice, eu sei que ‘cê ‘tá de paquera com um almofadinha. – esta última palavra, não foi compreendida por todos, pois a voz estava embargada pelo álcool e algo de um futuro pranto. - Mas eu te perdoo, porque te amo!
- Já chega! Não vou mais aturar nem mais um pio desse sacripanta! – sentenciou o advogado com ares de juiz.
- Por favor, não! Acho melhor você não se meter com ele. Ele ‘tá bastante alterado.
- Aquele?! Aquele ali nem fede, nem cheira. – gracejou. Mas gracejos não combinavam com ele. Tinha dentes perfeitos demais dentro de um sorriso muito certinho e, sem contar, uma voz muito empolada.
- E se você se machucar? – perguntou à guisa de dama que vê seu cavaleiro prestes a ir para um duelo.
- Não se preocupe, ficarei bem. Peço licença para tirar meu paletó. – outro gesto teatral.

A família toda tentou dissuadi-lo, mas o jovem parecia determinado a mostrar quem era o novo dono do coração de Alice.
Abriu a porta e viu o pobre Aderbal, de gatas, numa tentativa infrutífera de levantar-se.

- Vai-te embora, alcoólico desordeiro!
- Eu vou é quebrar a tua cara, macho. – revidou o oponente finalmente ficando de pé.

Aderbal investiu contra o advogado, mas o murro passou longe. Este, por sua vez, também empreendeu um soco, mas, para a sorte do pé-de-cana, estar cambaleando foi vantajoso.
Murro aqui, murro ali, e ninguém era atingido. Mais parecia uma dança. Estranha, diga-se de passagem.
Aderbal, um bêbado, desordeiro, bom rapaz e apaixonado!
Advogado, um almofadinha que ‘tava mais valente que um siri dentro da lata.
Cada qual a seu modo, querendo provar que era merecedor do amor de Alice.
Esta, por sua vez, pedia para o advogado desistir daquela peleja, pois Aderbal não valia a pena. Como ele mesmo dissera, “nem fede, nem cheira”. E também gritava para Aderbal ir embora.
E mesmo com tanta súplica, não a ouviam.
Finalmente, os dois se engalfinharam. Ninguém sabia quem era quem de tão enrolados que estavam. De repente, tombaram um pra cada lado.
Do lábio de Aderbal, corria um filete de sangue.
Da testa do advogado parecia que as comportas de uma represa tinham arrebentado.

- Ai, meu Deus, meu querido! – gritou Alice, e correu em socorro.

Sentindo o conforto e o calor daquele colo macio, Aderbal sussurrou:

- Alice, eu sabia que você ainda me ama!

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