Estou trabalhando, escrevendo a crônica desta semana, quando o telefone toca.
— Laíse, chegou um livro pra você.
— Ah...
Suspendo o tempo por intermináveis instantes. Não sei o que responder. Não era assim que eu tinha planejado. Ele não tinha aula, não ia sair de casa aquele dia, não ia passar pela portaria, e o porteiro não ia entregar o livro para ele. Entregaria a mim, quando eu chegasse do trabalho. O meu nome, que na hora do pedido eu havia esquecido de trocar pelo dele, seria riscado. Laíse seria substituído por Leonardo, mesmo sobrenome, e ele encontraria a caixa em um lugar inesperado, com seu nome, e abriria, e teria a grande surpresa.
— Chegou faz tempo?
— Sei lá, eu peguei agora. Eu tava voltando da banca, e o porteiro falou pra eu pegar a encomenda e assinar no caderno dele.
— Humm...
Continuo sem saber o que dizer. Se peço pra deixar na minha cama, que quando eu chegar eu olho... Mas isso estragaria a surpresa dele. O presente era dele, ele é que deveria abrir... O menino interrompe meu ruído silencioso.
— É um livro ou um cd?
— Livro. É livro. Da faculdade. Você pode abrir e ver se está tudo direitinho? Se o livro está inteiro, se o nome que está lá bate com a nota fiscal... Eu estou com pressa para ler esse livro e se tiver algum problema é bom resolver enquanto o correio está aberto.
— Tá bom, ele diz. E desliga o telefone.
Sorrio aliviada — fui rápida o suficiente pra inventar uma desculpa boa o suficiente. Ele abriria a caixa e teria sua grande surpresa, bem do jeito que eu tinha planejado.
Visualizei a cena, inevitavelmente. Ele pegando uma tesoura e cortando o durex. Abrindo a caixa com cuidado, tentando não rasgar o papelão. O choque que duraria dois segundos, até ele absorver o que estava vendo. Letras prateadas cintilando sobre o fundo azul, desenhado com pastéis. Os rastros da luz, o rastro do vento. Os contornos esfumados...
Ele rasgando o plástico que envolve o livro, devorando a contracapa, as orelhas... Olhando extasiado para o índice, os capítulos... Se preparando pra começar a ler a primeira frase...
Passo longos segundos pensando nisso. O barulho do telefone corta meus devaneios. Minha chefe atende e eu fico observando, pensando se não é ele me ligando pra me agradecer e também reclamar, só pra encher, "Você disse que ia me dar um boné!"
Mas era o seu Francisco, dos Correios.
Olho para o papel que estou rabiscando, releio as poucas linhas da crônica ainda mal começada, e suspiro. Está ficando uma droga, como eu já imaginava. Penso no meu irmão e seu livro novo, vivendo em simbiose até que ele chegue à última página. Sorrio. Amasso minhas anotações e jogo no lixo. Novo sorriso, que não consigo conter. Começo a escrever esta aqui.
3 comentários:
Escreve bem... gostei muito.
Já te disse o quanto achei esse texto lindinho, né?
Com um estilo muito sonhador!!
Parabéns!!
Achei o máximo Laise!
PQ meus irmãos nunca me fazem uma surpresa dessa????
srsrsrsr
Lindo, lindo!
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